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30.8.09

Esperando nada ao sol de domingo


É domingo.
Pra mim os domingos são altamente imprevisíveis. Já aprendi a não fazer grandes projeções, a não lhes dar nenhum crédito.
Decidi estender essa minha teoria para qualquer nebulosidade que não me permita distinguir o que se esconde além do próximo passo.
Esperar nada não significa estar despreparado para o que quer que se interponha no caminho.
Esperar nada significa aceitar que nem tudo segue o trajeto que definimos, apesar do destino final continuar inalterado. E são exatamente essas meandros, carregados de cores, perfumes, sons, e, principalmente, pessoas que encontramos pelo caminhar, que nos arrastam da nossa insignificância.
Esperar nada exclui automaticamente grandes expectativas, porém nos brinda com as melhores surpresas, nos momentos mais inesperados.
De nada adianta antecipar certas emoções - todos os sentimentos têm hora certa para aflorar.
Sofrimento antecipado gera angústia, e sofre-se em dobro.
Ao mesmo tempo em que felicidade antecipada, gritada aos quatro cantos, pode não ser confirmada, restando apenas o eco e a esperança desolada.
Planejamento pressupõe riscos, possibilidades, razão, sensatez. Diferente desse jogo cego de expectativas infrutíferas. Permito-me, pois, àquele, acompanhado de uma boa dose de realismo e objetividade.

O domingo é ensolarado, dos que exigem maior esforço para não sair sonhando e acumulando falsas esperanças.

14.8.09

A dança das minhas chamas


As palavras não precisam de convite formal para se apresentarem, dispensam cerimônia; basta olhá-las de esguelha para que jorrem, carregadas de verdades e mentiras, sensatez e alucinação. Foi numa tarde fria, em frente à lareira acesa, que elas brotaram, aos pares, trios, segurando um ponto aqui, uma vírgula acolá, estimuladas unicamente pela minha observação incessante do fogo. Foi aí que percebi que tudo não passa de uma dança, uma dança suave e contínua das chamas, que nos encaram e crepitam enigmáticas, perdendo-se em sua imensidão ao som do crispar de seu alimento. É essa coreografia flamejante que encanta os olhos e acalma o coração, rompendo o ar e a explicação, ora enrolando seus braços de calor, ora impondo uma erupção altiva, não menos cativante.

Ao alimentar essa química, me desfaço em papel, plástico e lenha. Minha dor virou celulose, viu-se estampada no jornal, e no instante seguinte fazia-se chama, esfera maciça de sofrimento vermelha e amarela, para depois morrer em cinza.

Dos meus segredos, medos e inseguranças, fiz plástico, como invólucro de bala, carecendo de sua doçura. Atiro-os ao fogo e eles inventam uma nova dança, contorcendo-se em seus recônditos, agonizando em ritmo lento, mas sem se fazerem notar por qualquer transeunte que desconheça tal aniquilação, esse meu ritual de libertação. Eles não se envolvem de chamas, não querem chamar atenção; deixo que queimem quietinhos, à sua própria cadência, pois sei que o seu destino final é inexorável - e eles também o sabem, nem ao menos se debatem, resignados à pulverização.

Caso o coração já não se encontre oco, suas paredes corroídas haverão de guardar minha essência, não mais corrompida nem vista de nuance. Um restinho de felicidade que a princípio ofusca, dado seu grau de pureza em contraste com a escuridão circundante, mas que torna-se um vício, a mais íntima das necessidades à medida que é admirada. Com as mãos em concha, felicidade vira carbono e vai parar dentro da lenha, que inicia, tímida, sua transformação em luz e calor. E é por estimar-lhe tanto, e querer-lhe tanto, que não a faço papel, que vira chama à menor faísca e pó com a mesma destreza, nem a faço plástico, que regride a um emaranhado negro sem ninguém perceber. É por amar tanto essa felicidade escondida e palpitante que a faço lenha, para que me hipnotize com sua dança de luz e me toque em forma de calor, aquecendo-me até não restar mais matéria a ser queimada, até não restar nada no coração, e ele próprio seja puramente cinza inerte e esfacelada.