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31.5.10

Solidão: aprecie com moderação


A solidão não deve ser encarada como abandono ou, no outro extremo, auto-suficiência. Solidão é, acima de tudo, uma questão de autoconhecimento. Não que devamos ficar reclusos somente a fim de realizarmos uma pesquisa antropológica - não usemos a ciência como desculpa para uma introspecção patológica. Apenas saibamos usar a nosso favor as situações que nos foram impostas pelo destino (pelas quais, na maioria das vezes, somos os grandes responsáveis).

Apesar de achar que felicidade só existe se compartilhada, ter uma companhia não deve ser um pré-requisito para se viver. Momentos de solidão e recolhimento são necessários e importantíssimos para alcançarmos o autoconhecimento. Momentos solitários nos quais a nossa sinceridade apresenta-se mais sincera. Não escolhemos palavras, não coibimos gestos; libertamos nossas manias das convenções sociais, valorizamos a nossa individualidade. A quatro paredes e a sós, enfim, autênticos.

A falta de companhia não deve ser um obstáculo ou escusa para se deixar de ir ao cinema, ao teatro, à locadora, para se preparar uma comida gostosa, passar um café ou passear pelo parque em manhã ensolarada. Não devemos depositar a responsabilidade pela nossa felicidade integralmente nas outras pessoas. A nossa própria e única companhia deve ser, ao menos, suportável. Para isso, é indispensável prática, e muita coragem. Olhares piedosos ao adquirente de apenas um ingresso para uma sessão de cinema são os verdadeiros dignos de pena: esperam que os outros nos completem, quando já somos completos ao nosso modo. Quem não enxerga a sua completude, não conhece o próprio potencial, e acaba por se sub ou superestimar. Devemos buscar completudes semelhantes a que possuímos - a única coisa que os opostos atraem é desentendimento -, e fazer delas uma extensão da nossa, ampliando-a, não a completando.

A solidão, quando moderada, é altamente saudável, porém, não se recomenda seu uso indeterminado por possuir elevadas doses de amargura e acarretar rugas insuscetíveis de correção estética. Não tenhamos medo da solidão, mas sim de nos acostumarmos a uma vida inteira em sua única companhia.

17.5.10

Gigantes atados



Todos queremos ser grandes. Alguns, a ponto de serem notados pelos demais, outros, somente grande o suficiente para não se perderem de vista dentro de si mesmos. Assim que atingimos o degrau uma vez almejado, lançamos os olhos no seguinte, e no próximo... Não nos contentamos com a estabilidade, com a possibilidade de uma rotina estabelecida, seja ela mesquinha ou não. Simplesmente não nos contentamos. Ainda bem.

Todos queremos fazer algo grandioso. Deixar nosso nome rabiscado em algum cantinho de folha dessa história nada linear que se convencionou chamar existência. Alguns desejam ser autores da oitava maravilha, outros, somente fazer algo maravilhoso, digno de uma noite bem dormida ao se encontrar a paz que tanto se procurou, e que estava ali o tempo todo, ao alcance da nossa coragem.

Mas o que é que nos impede de desatar esses nós? De desfazer essas amarras invisíveis que nos prendem, quando proclamamos, em alto e bom tom, que somos livres?

Não somos nós quem levamos a vida. É a vida que nos leva. E um dia ela resolve não nos devolver mais, simples assim. Serão carregadas juntas todas as verdades tidas como absolutas, e que, de fato, não passavam de falsos moralismos, nos quais fomos doutrinados a acreditar, e, como se não bastasse, passá-los adiante, como uma canção que não se entende a letra, mas é entoada animadamente, em coro. E todas as amarras que ficaram por desfazer e os nós que ficaram por desatar, continuarão amarras e nós, com milhares de desejos mofados presos a si.

É esse o meu maior medo: não conseguir me desamarrar a tempo e deixar que mofem todos os sonhos que trago comigo. Eu vivo muita coisa bonita nos meus sonhos. Não preciso nem de travesseiro, nem de cama macia para fazer com que eles aflorem: posso muito bem sonhar de olhos abertos, remota a tudo e todos a minha volta. E odeio ser interrompida de súbito, sem que me desapegue aos pouquinhos do meu outro mundo para, então, voltar à realidade. Não sei se isso é bom ou ruim, o fato de sonhar acordada. Acho que ao abrir os olhos já deveria encarar meu sonho como realidade. Ao menos é o que se espera (esperam).

Eu gosto de aparentar segurança. Um andar convicto vale muito mais que a própria segurança. Guardo minha covardia embaixo da cama, para alimentá-la todos os dias antes de dormir. É ela quem me relembra os sorrisos e abraços a serem distribuídos e o caminho a ser seguido para que a mantenha latente, embora muito dominante nessa sua quiescência.

Por favor, não faça descaso da minha pouca idade ou falta de vivência: a vida não se restringe à soma de horas, dias, semanas, meses e anos ao currículo, mas deve-se também, e principalmente, à soma de algumas experiências que valem por uma vida inteira. Não que eu as tenha vivido todas - espero levar um bom tempo para que isso aconteça; espero é que aconteça... -, apenas gosto muito de palpitar, e, há pouco, tomei três xícaras de café.