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10.4.10

Três parágrafos de drama puro e dispensável


O céu é dos mais azuis e não oferece nenhuma nuvem de resistência para a passagem dos raios de sol, que parecem intensificar-se ao anunciarem o final de semana. As sombras produzidas realçam texturas e formas esquecidas - inclusive as que deveriam assim permanecer (a escuridão é, por vezes, mais cômoda e agradável do que uma claridade tão reveladora e sincera). O vento frio que entra pela janela, resquício de uma semana de temperaturas atípicas ou prelúdio do inverno, enche o quarto de desconforto, uma angústia sem causa específica ou cura conhecida, mas que aflora sentimentos, dúvidas; angústia expressa em dedos inquietos a teclar e um balançar constante da perna cruzada, suspensa no ar frio.

Nem mesmo um dia aparentemente bonito, uma vida perfeita aos olhos de quem vê e um caminho que se diz promissor conseguem persuadir uma vontade louca de chorar. Compulsivamente ou baixinho, enrolando-se nas cobertas para abafar tanto sentimento nu que escorre em forma de lágrima, frágil à espreita de julgamentos e expectativas, extravasado diretamente do coração, reservatório pequeno pra tanta emoção. Convertem-se em lágrimas as palavras não ditas na hora exata, detentoras de proporções assombrosas quando silenciadas por tempo demais. Convertem-se em lágrimas as lembranças mais doces, que, ao escorrerem dos olhos e atingirem os lábios, percebe-se terem adquirido o sabor amargo da incompatibilidade, a ponto de tornarem-se uma espécie de utopia. Convertem-se em lágrimas os sonhos, um dia, menosprezados, os objetivos frustrados, as cordas do violão não dedilhadas, e as vocais, atrofiadas. A trajetória porosa e enrugada das lágrimas representando a imensa distância que separa quem, teoricamente, está próximo, assim como representa a igualmente imensa saudade que aproxima os distantes.

Depois de respingar tanta angústia na cama, limpa-se na manga da camiseta o restinho de sentimento que ainda umedece a face e respira-se fundo, como aquela primeira grande inspirada que nos trouxe à vida. Mesmo com a claridade diminuída e as sombras atenuadas, são elas que revelam os reais motivos de preocupação, os problemas merecedores de um choro torrencial, seguido de uma resolução à altura. Eternos insatisfeitos, egocêntricos por excelência, nossos olhos deveriam chorar menos, enxergar mais. Porém, além de insatisfeitos e egocêntricos, somos, principalmente, humanos, abrigando a maior das ambiguidades dentro de nós - racionais, quão dramáticos somos!

9 comentários:

Bárbara disse...

genial!!!!

primo disse...

Esclarecedor...

João Nunes Junior disse...

Lindo, Luíza. Linguagem poética muito bem empregada, um texto cristalino. É a terceira pessoa menos impessoal que já li. Sentimento feito concreto por palavras, querida! Parabéns...

Bom domingo... beijos!

Unknown disse...

"Três parágrafos de drama puro e dispensável"
Teoricamente sim, teoricamente..

Unknown disse...

Lindo demais Lu!

Pati disse...

Vim espiar ,como sempre...e adorei. Vc consegue colocar num texto pequeno a angústia que todos sentimos alguma vez na vida sem parecer melodrama sentimental.

E sobre o sentimento que transborda do texto ,drama ou não,dispensável ou não,por trás dele-drama- a nossa vida é feita de emoções,sonhos, uns tantos tombos aqui e ali e sem isso não seríamos humanos. Um pouquinho de drama faz parte da vida. É enxugar as lágrimas e seguir em frente!
Beijão!

Guillermo disse...

muito bom

Guillermo disse...

mas to beeem atrasado

Unknown disse...

Lu, estou me deliciando com os textos, fazia um tempinho que não passava por aqui.Maravilhosos... cada dia mais fã!!!
Engraçado como com eles aprendo mais de ti e de mim.
beijinhos
Parabéns.