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14.8.09

A dança das minhas chamas


As palavras não precisam de convite formal para se apresentarem, dispensam cerimônia; basta olhá-las de esguelha para que jorrem, carregadas de verdades e mentiras, sensatez e alucinação. Foi numa tarde fria, em frente à lareira acesa, que elas brotaram, aos pares, trios, segurando um ponto aqui, uma vírgula acolá, estimuladas unicamente pela minha observação incessante do fogo. Foi aí que percebi que tudo não passa de uma dança, uma dança suave e contínua das chamas, que nos encaram e crepitam enigmáticas, perdendo-se em sua imensidão ao som do crispar de seu alimento. É essa coreografia flamejante que encanta os olhos e acalma o coração, rompendo o ar e a explicação, ora enrolando seus braços de calor, ora impondo uma erupção altiva, não menos cativante.

Ao alimentar essa química, me desfaço em papel, plástico e lenha. Minha dor virou celulose, viu-se estampada no jornal, e no instante seguinte fazia-se chama, esfera maciça de sofrimento vermelha e amarela, para depois morrer em cinza.

Dos meus segredos, medos e inseguranças, fiz plástico, como invólucro de bala, carecendo de sua doçura. Atiro-os ao fogo e eles inventam uma nova dança, contorcendo-se em seus recônditos, agonizando em ritmo lento, mas sem se fazerem notar por qualquer transeunte que desconheça tal aniquilação, esse meu ritual de libertação. Eles não se envolvem de chamas, não querem chamar atenção; deixo que queimem quietinhos, à sua própria cadência, pois sei que o seu destino final é inexorável - e eles também o sabem, nem ao menos se debatem, resignados à pulverização.

Caso o coração já não se encontre oco, suas paredes corroídas haverão de guardar minha essência, não mais corrompida nem vista de nuance. Um restinho de felicidade que a princípio ofusca, dado seu grau de pureza em contraste com a escuridão circundante, mas que torna-se um vício, a mais íntima das necessidades à medida que é admirada. Com as mãos em concha, felicidade vira carbono e vai parar dentro da lenha, que inicia, tímida, sua transformação em luz e calor. E é por estimar-lhe tanto, e querer-lhe tanto, que não a faço papel, que vira chama à menor faísca e pó com a mesma destreza, nem a faço plástico, que regride a um emaranhado negro sem ninguém perceber. É por amar tanto essa felicidade escondida e palpitante que a faço lenha, para que me hipnotize com sua dança de luz e me toque em forma de calor, aquecendo-me até não restar mais matéria a ser queimada, até não restar nada no coração, e ele próprio seja puramente cinza inerte e esfacelada.

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