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26.12.09

Essências


O Natal veio, tão logo se foi, e mal notei a sua passagem (o "chester" na mesa e o pinheirinho iluminado não permitiram o completo esquecimento). Não é com orgulho que essas palavras são proferidas. É com uma ponta de pesar por tudo o que foi e não mais é, irreversivelmente. O que uma vez era vivido com emoção e simbolismo, acompanhado daquele friozinho na barriga que antecedia a distribuição dos presentes, hoje veio, e tão logo se foi. E o pior: sei que não sou a única.

Quando foi que ficamos tão insensíveis? Não que tenhamos de crer irredutivelmente em tudo o que um dia nos foi ensinado, nem nos atirarmos em um consumismo descomunal movidos por um apelo sensacionalista (ou melhor: capitalista).
A questão é que, dentre tantas atribulações e compromissos a que somos submetidos diariamente, apegamo-nos ao que julgamos ser essencial para nós, e acabamos deixando outras tantas essências de lado. Toda a expectativa se perdeu, dada nossa crescente objetividade (o tempo nos é pouco... e tão valioso!). Perderam-se também os olhares (aqueles através dos quais se enxerga uma alma inteira, nua), tal como os sorrisos de canto de boca (aqueles que deixam escapar pedacinhos de alma não lapidada): inúmeros pequenos gestos, grandiosos pela sua capacidade de nos revelar tão naturalmente. Tentamos colocar palavras em tudo. Apropriamo-nos de vocábulos de outro idioma caso o nosso ainda não tenha designado um para determinada situação. Preenchemos silêncios cheios de significado. Enviamos cada vez mais e-mails, deixamos os telefonemas somente para as urgências - quando muito. Suspiramos ao sairmos de casa e ao regressarmos do trabalho, insatisfeitos com um destino que não passa do resultado direto de nossas próprias atitudes. O livro de cabeceira foi substituído pelo antidepressivo do momento. Incontáveis são os indivíduos que respondem ao "Boa Noite" do apresentador de telejornal para não terminarem o dia em completa afonia e solidão.

Nossas essências não soam tão essenciais... Em qual curva perdemos a nossa verdadeira natureza íntima? Ou será que a estrada que seguimos consternados nos conduzirá a ela? Se as respostas fossem lógicas e instantâneas, de nada valeria a caminhada. Restam-nos as flores à beira do caminho, o vento acariciando o rosto e ritmando o movimento dos fios de cabelo e o sol; que ele queime toda essa descrença e ilumine nosso longo e tortuoso trajeto.

20.12.09

Luíza, a estranha


Caso já não tenham percebido, eis a verdade: sempre fui meio estranha. Desde o princípio. Peixe fora d'água, cheguei a ser alvo da preocupação de minha mãe: "só pode ter algo de errado com essa menina".

Quando frequentava o jardim de infância, boné era acessório permanente na minha cabeça, protegendo-me de todos os olhares e julgamentos. Durante o recreio, nada de brincadeiras e risadas com os colegas: seguia a professora até a "Sala dos Professores" e esperava sentadinha o sinal tocar para, então, regressar à sala de aula na companhia dela.

Aos poucos, o boné foi ficando de lado e eu passei a conviver mais com os colegas. Nem por isso abandonei a timidez, marca registrada até o momento. Foi na segunda série do primeiro grau, aos sete anos de idade, que dei um passo significativo para vencer essa introspecção: participei do meu primeiro FELAC - Festival Lassalista da Canção. Foi cantando "Pense em Mim", de Leando e Leonardo, que subi no palco e encarei um ginásio inteiro lotado. Todos os olhares, toda a atenção, nenhum boné pra me salvar. Minha mãe havia providenciado um figurino especial para a apresentação, saia e colete jeans, no maior estilo sertanejo. Desisti da roupa numa crise pré-festival, quando também quase desisti de me apresentar. Convencida pelos meus pais, impus uma condição: cantaria de uniforme. Dentre os inúmeros participantes, eu era a única vestida de calça de moletom, camiseta de manga comprida e tênis "Fila". No palco, os movimentos percebidos eram o de um pé ritmado e o dos lábios cantando. Tirei o primeiro lugar, mas venci muito mais que um festival; venci uma timidez de grandes proporções, que não mais prenderia minha voz dentro de mim.

Mas a minha estranheza não termina aí. Minhas calças do uniforme do colégio eram frizadas embaixo, como as de ninguém. Já usava relógio de pulso desde sempre, como ninguém. Jogava futebol com os guris todos os recreios e detestava vôlei. Eu odiava dançar (hoje posso dizer que arrisco uns poucos passos; aliás, quem deve realmente saber dançar é o homem: a nós, mulheres, cabe acompanharmos o par...). Eu gostava (e gosto) de estudar. Cheguei a trocar de turma para ter aula com determinado professor, deixando meus amigos em outra sala. Até hoje não suporto usar salto. Se o faço, é as custas de muito sacrifício e extrema necessidade. Ainda troco as vitrines de lojas de roupas e calçados pelas de livrarias. Adoro tomar café à noite. Com leite. Não tenho nenhuma tatuagem e nada além de um furo para brinco em cada orelha - e assim sempre será. Saí de casa, embora todos os amigos tenham ficado. Foram várias as sextas-feiras que dormi antes das 22h e inúmeros os sábados e domingos nos quais levantei antes das 7h. Mesmo vestida e maquiada, consegui dormir antes de uma festa, abdicando dela, por ter esta começado muito tarde: 00h45. Ingeri bebida alcoólica numa festa pela primeira vez aos dezessete anos - e achei engraçado o seu efeito. Culinária realmente não é o meu forte. Costumo jantar até às 19h30 - e então fica evidente a extrema necessidade do relógio de pulso. Adoro inverno. Giro a chave duas vezes ao trancar a porta, rigorosas duas vezes. Enquanto todos visam Curitiba, eu escolhi Porto Alegre.

Todos somos estranhos ao nosso modo. Afinal, o conceito de "normalidade" é bastante flexível e ganha contornos e recortes de acordo com cada personalidade. Minha estranheza também não termina aí, mas não vou entregar tudo de bandeja.

18.12.09

O que o teu silêncio me diz


Eu sei o que o teu silêncio me diz.

Eu sei pelo teu olhar
Que te condena pelo modo de brilhar.
Eu sei pela ruga da tua testa
Indignada sempre que alguém te contesta.
Eu sei pela covinha da tua bochecha
Que diz sozinha "não toque", "não mexa".
Eu sei pelo bater dos teus dedos na mesa
Dando voz a toda a tua tristeza.
Eu sei pelo teu andar torto
Desviando do que te causa desconforto.
Eu sei pelo teu sorriso amarelo
Janela direta para o que tens de mais belo.
Eu sei pela tua mão que sua
Transbordando de tanta amargura.

Eu sei bem o que quer dizer a tua palavra não dita.
Sei, por isso me faço desentendida.

6.12.09

Mudança, a única constante


"Você não sente, não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer.
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer."
(Belchior)

Ao olharmos fotografias de 40, 50 anos atrás, deparamo-nos com um tipo de mudança: aquela escancarada aos olhos, que tende a contrastar com o que nos circunda hoje sem o menor esforço.

Guiando-nos pela moda, as roupas dos anos 60 marcaram época ao incorporar, em cada curva e prega, as ideologias desafiadoras que embalavam toda uma geração. Nas mulheres, vestidos rodados e minissaia, estampas psicodélicas e geométricas, além das botas de cano longo. Nos homens, a influência dos Beattles era marcante, traduzindo-se em paletós sem colarinho, calças justas e japona do pescador.

Entretanto, dando um pulo na década seguinte, percebe-se que suas características mais evidentes em nada remetem à que a precedeu. Foi a época de reverberação do Festival de Woodstock, ocorrido em 1969. Os revolucionários de 60 assumiram uma postura mais calma na década de 70: os hippies. As urgências do mundo tiveram menos importância do que a própria satisfação e felicidade. O "Flower-power" estampava-se nos jeans bordados de flores, pantalonas tipo "Oxford" e saias longas e vaporosas até o chão, e vociferava, entre as notas de Led Zeppelin, "Make love, not war".

Essa viagem ao passado evidencia que mudanças são naturais, são saudáveis. Refletem toda a nossa inquietação, nossos sonhos latentes. E deixam marcas profundas, que são percebidas até hoje, seja no jeans que não sai do nosso corpo, seja na crença da paz e do amor (apesar desta estar um pouco empoeirada e jogada no cantinho da nossa sala de preocupações - tantas são as bobagens prioritárias!).

Entretanto, existe uma outra mudança. Muito menos evidente, tamanha a sua discrição; muito mais drástica, dada a sua proximidade. É a mudança que ocorreu semana passada, mudança que ocorreu ontem, e que ainda está ocorrendo. É a mudança que se dá dentro de nós. Assumimos uma nova postura, formulamos novos planos, abandonamos velhos idealismos. Nem ao menos percebemos o quanto vamos ficando diferente do que éramos... ontem. Despimo-nos, vestimo-nos. O "jeito de ser" recém-adquirido nos impulsiona a seguirmos, diariamente, a caminhada, repleto que está de possibilidades de encontrarmos "paz e amor" logo ali, logo além...

É necessário despedidas, algumas lágrimas, um certo aperto no peito - prova de que não nos falta humanidade e, pricipalmente, coragem. Coragem de muitas vezes contestar o que nos é imposto - por vezes mais cômodo - para buscar a nossa realização, a nossa promessa de felicidade - ainda que nossos sonhos sejam um tanto quanto utópicos: afinal, com os dois pés na realidade, de nada valeriam!

As luzinhas já estão piscando nas casas e monumentos; não há melhor momento para guardarmos a velha roupa colorida, cantarolando com Elis: "no presente, a mente, o corpo é diferente, e o passado é uma roupa que não nos serve mais".


ps.: é domingo, domingo ensolarado, e eu estou em casa novamente: nada mais inspirador (e perigoso).

20.11.09

Saudades e vontades

Que saudade que me deu...

Saudade do colo teu
Teu colo que é tão meu
Acomoda tão bem toda a minha inquietude.

Saudade do teu abraço
Melhor lugar onde me desfaço
E viro criança insegura e carente.

Saudade do teu carinho
Dos teus passos no meu caminho
Do teu sorriso enchendo a sala.

Saudade de que me pegues pela mão
Me indiques a direção
Não deixando que me sinta sozinha.

Saudade de todas as companhias
Dividindo tantas alegrias
Amparando as desilusões.

Saudade do meu coração feliz
Mesmo estando onde sempre quis
Bate nostálgico e melancólico.

Saudade da convicção que eu sentia
Dos sonhos que eu tinha
Da vida que se foi.

Que vontade que me deu...

Vontade de jogar tudo pro alto
Botar o pé no asfalto
Rumo à incerteza.

Vontade de pular alguns anos
Alterar alguns planos
E depois me arrepender.

Vontade de me perder completamente
Ser dada como demente
Só pra fazer as pazes com a sanidade.

Vontade de apagar o pouco que sei
Acertar onde eu errei
Recuperar as possibilidades que se perderam.

Vontade de te abraçar bem forte
Não te entregar nem pra morte
Ao menos que ela também me carregasse.

Vontade de ouvir a tua voz
Driblar o destino algoz
E voar de volta pro meu ninho.

Vontade de desligar a cabeça
E esperar que a vida aconteça
Transformando o que hoje é vontade
Em lembrança que amanhã deixa saudade.

26.10.09

Eu, Palpites e Café


Pobres domingos: sempre condenados a encerrar um ciclo - o tédio que lhes é típico nunca permite o início de um. Quero dizer que ninguém opta por uma mudança drástica na sua vida em pleno domingo. Ainda mais se ele for ensolarado (deixando clara a minha impotência frente a essa combinação).

Se os últimos tempos têm sido de comilança além da conta, e justo no domingo você decide encarar definitivamente o espelho, de imediato começa a planejar um regime milagroso. Planejar, porque colocar em prática não cabe ao domingo, e sim à segunda-feira. Se o trabalho lhe toma tempo demais, e o que antes lhe proporcionava prazer só existe hoje em seus sonhos, uma introspecção dominical leva a uma mudança de atitude. Mas antes de adotar a nova postura, pilhas de relatórios aguardam ansiosas a sua exclusiva atenção, não o deixando esquecer do prazo de entrega que se aproxima. Mudança de atitude estando desempregado não lhe parece uma boa opção, então você empurra os idealismos de barriga, ficam pra segunda.

Porém, contrariando toda essa teoria insana, foi em um domingo que me aconteceu algo único, que teve início um dos mais importantes ciclos da minha vida: o amor.
Após saltar da cama (sou uma pessoa extremamente diurna, que fique dito), caminhava para a cozinha, para esquentar o leite para o café, quando me deparei com a mesa da sala de estar toda arrumada, me oferecendo prato, pires e xícara, garfo, faca e colher, café em pó, açúcar e - pasme - pão francês amanhecido! Primeiro, a surpresa; depois, a comoção. Foi a gota d'água para eu me entregar sem amarras à pessoa que havia feito essa gentileza, esse mimo: eu mesma.

De súbito, tudo ficou mais claro. Havia tempos eu estava me conquistando com presentinhos aqui, encaradas no espelho acolá... Mas a solidão de domingo de manhã, como que trazida pelos mesmos ventos desgarrados assobiados pela boca de Mário Barbará, me invade e me deixa completa e perigosamente vulnerável, a um passo de qualquer loucura que me alimente de humanidade. E eu soube direitinho onde me atingir. Foi, de longe, o café mais doce de todos os domingos.

Se existe algo que não me canse o paladar, por mais que o consuma, é café. E, claro, eu sabia muito bem disso. Ao fim da tarde, lá íamos nós - eu e eu - à livraria, para percorrermos todos os seus corredores, espiarmos uns bons pares de livros, e então sentarmos, eufóricos de felicidade (os livros eram um mero detalhe), numa de suas poltronas fofas e pedirmos um café. Foi aí que eu apelei, e tirei da bolsa o livro de poesias que sempre carrego comigo. Ficamos assim, entre palpites e café, e o tempo escorreu-nos, como areia rala, pelos dedos entreabertos.

O domingo ainda reservava uma noite incrível, entre suspiros e "como eu não percebi antes?!", despontando no raiar da segunda-feira. Iniciou-se, dessa forma, o meu, o nosso ciclo do amor. Ele até comporta uma terceira pessoa, formando um ciclo triângulo, mas que, de antemão se saiba, nunca será equilátero, visto que a distância que me separa de mim é muito menor que a imensa e duvidosa distância que nos separa de uma possível terceira pessoa.

A mesa continua posta, e assim permanecerá daqui pra frente. E é por essas e outras surpresas que eu digo - e Vinicius concordaria comigo -: me desculpem as feiras, mas domingo é fundamental.

10.10.09

O Pranto Celeste


Hoje o céu chorou. Chorou o dia todo, sem intermiscências. Sua tristeza molha a vidraça, os carros na rua, em contraste com a felicidade do casal que se banha, entre abraços, em seu pranto - mal sabem eles que essa tristeza escorrendo por seus corpos, tão súbita quanto o amor, irá lhes atingir o coração.
As lágrimas, logo ao amanhecer, encheram minha teoria da mais sensata convicção: mal se ocultou, a lua já havia deixado a saudade em seu lugar. Passaram a noite inteira juntos, com a lua irradiando seu brilho, como carícia, por toda a superfície negra, e esta destacando-a das reles estrelas que a circundam. Então, sem qualquer explicação, o astro foi, gradualmente, camuflando-se no azul cada vez mais claro que despontava, para perder-se calado.
Tudo corria bem - falo por mim, não pelo céu, que àquelas alturas já apelava às nuvens de poluição para abastecer sua tristeza -, até o momento em que minha teoria foi arrastada pela correnteza cada vez mais intensa de pranto, como tantas folhas desprendidas de árvores o foram. Era de se esperar que a tristeza perdurasse todo o dia, entretanto, a proximidade da noite não atenuou sua voracidade, nem ao menos o fizeram os primeiros brilhos da lua rasgando o céu, concretizando a sua chegada. Seria, então, o sol, que não mais o aquecia, a razão de tamanho desconsolo? As nuvens, carregadas de lágrimas, impediram a sua aparição durante o dia, e ele agora chorava, sentindo frio e saudade do calor do sol que o envolvia em abraço, aquecendo sua vastidão.

Hoje o céu não chorou. Não chorou o dia todo, sem intermiscências. Logo cedo, os raios de sol irradiaram na vidraça, nos carros na rua, contrastando com a gelidez do casal que caminha, silencioso, rumo a lugar nenhum, relutante em acreditar que a tempestade que os banhou ontem é menor que a de hoje. E quando os tons remetiam a fogo no horizonte, fez-se notar a lua, amparando, tímida, aqueles que hoje choram sem carícias de brilho, sem abraços de calor, carregando apenas as suas saudades infinitas.

24.9.09

Perto ou Porto, seguro?


Cada conquista representa uma perda inevitável.
Cada passo que damos em direção a um destino, real ou utópico, acaba por nos aproximar dele, enquanto nos afasta, pouco a pouco, do que um dia nos foi porto seguro.

Será que o tempo é capaz de borrar cores e traços de rostos que já soaram tão familiares?
Terá ele coragem de nos fazer esquecer de momentos que nos trazem tanto conforto, ainda que em lembrança?

Quando bate a insegurança, questionando decisões passadas e expectativas futuras, restam-nos poucos abrigos, por vezes distantes, inalcançáveis... Recordações já não são mais suficientes; abastecem a memória, porém carecem da vitalidade que tanto nos encantou no momento em que foram imortalizadas.

É então chegado o momento de abdicar o desejo de abraçar o mundo por um único abraço que valha toda essa imensidão; de renunciar à automaticidade que nos move, e, voluntariamente, dar-nos o direito de um desabafo sincero, um choro compulsivo, umas gargalhadas estrondosas, qualquer possibilidade de paz. É hora de aceitar que não reinamos absolutos e que podemos ser depostos a qualquer momento, reféns que somos das nossas próprias vulnerabilidades.

O porto seguro permanecerá sempre no mesmo porto, sempre seguro.
Não foi ele que deixou de ser assim; somos nós que deixamos de vê-lo dessa maneira.

30.8.09

Esperando nada ao sol de domingo


É domingo.
Pra mim os domingos são altamente imprevisíveis. Já aprendi a não fazer grandes projeções, a não lhes dar nenhum crédito.
Decidi estender essa minha teoria para qualquer nebulosidade que não me permita distinguir o que se esconde além do próximo passo.
Esperar nada não significa estar despreparado para o que quer que se interponha no caminho.
Esperar nada significa aceitar que nem tudo segue o trajeto que definimos, apesar do destino final continuar inalterado. E são exatamente essas meandros, carregados de cores, perfumes, sons, e, principalmente, pessoas que encontramos pelo caminhar, que nos arrastam da nossa insignificância.
Esperar nada exclui automaticamente grandes expectativas, porém nos brinda com as melhores surpresas, nos momentos mais inesperados.
De nada adianta antecipar certas emoções - todos os sentimentos têm hora certa para aflorar.
Sofrimento antecipado gera angústia, e sofre-se em dobro.
Ao mesmo tempo em que felicidade antecipada, gritada aos quatro cantos, pode não ser confirmada, restando apenas o eco e a esperança desolada.
Planejamento pressupõe riscos, possibilidades, razão, sensatez. Diferente desse jogo cego de expectativas infrutíferas. Permito-me, pois, àquele, acompanhado de uma boa dose de realismo e objetividade.

O domingo é ensolarado, dos que exigem maior esforço para não sair sonhando e acumulando falsas esperanças.

14.8.09

A dança das minhas chamas


As palavras não precisam de convite formal para se apresentarem, dispensam cerimônia; basta olhá-las de esguelha para que jorrem, carregadas de verdades e mentiras, sensatez e alucinação. Foi numa tarde fria, em frente à lareira acesa, que elas brotaram, aos pares, trios, segurando um ponto aqui, uma vírgula acolá, estimuladas unicamente pela minha observação incessante do fogo. Foi aí que percebi que tudo não passa de uma dança, uma dança suave e contínua das chamas, que nos encaram e crepitam enigmáticas, perdendo-se em sua imensidão ao som do crispar de seu alimento. É essa coreografia flamejante que encanta os olhos e acalma o coração, rompendo o ar e a explicação, ora enrolando seus braços de calor, ora impondo uma erupção altiva, não menos cativante.

Ao alimentar essa química, me desfaço em papel, plástico e lenha. Minha dor virou celulose, viu-se estampada no jornal, e no instante seguinte fazia-se chama, esfera maciça de sofrimento vermelha e amarela, para depois morrer em cinza.

Dos meus segredos, medos e inseguranças, fiz plástico, como invólucro de bala, carecendo de sua doçura. Atiro-os ao fogo e eles inventam uma nova dança, contorcendo-se em seus recônditos, agonizando em ritmo lento, mas sem se fazerem notar por qualquer transeunte que desconheça tal aniquilação, esse meu ritual de libertação. Eles não se envolvem de chamas, não querem chamar atenção; deixo que queimem quietinhos, à sua própria cadência, pois sei que o seu destino final é inexorável - e eles também o sabem, nem ao menos se debatem, resignados à pulverização.

Caso o coração já não se encontre oco, suas paredes corroídas haverão de guardar minha essência, não mais corrompida nem vista de nuance. Um restinho de felicidade que a princípio ofusca, dado seu grau de pureza em contraste com a escuridão circundante, mas que torna-se um vício, a mais íntima das necessidades à medida que é admirada. Com as mãos em concha, felicidade vira carbono e vai parar dentro da lenha, que inicia, tímida, sua transformação em luz e calor. E é por estimar-lhe tanto, e querer-lhe tanto, que não a faço papel, que vira chama à menor faísca e pó com a mesma destreza, nem a faço plástico, que regride a um emaranhado negro sem ninguém perceber. É por amar tanto essa felicidade escondida e palpitante que a faço lenha, para que me hipnotize com sua dança de luz e me toque em forma de calor, aquecendo-me até não restar mais matéria a ser queimada, até não restar nada no coração, e ele próprio seja puramente cinza inerte e esfacelada.

29.7.09

Reles Imensidão

É a tua infinitude que te engrandece, mas também te aprisiona, te cerca de limites e impossibilidades. Essa imensidão te liberta do supérfluo e da mesquinhez, mas não te livra nunca do murmurar inquietante da tua consciência. TEC. TEC. TEC.

A hipocrisia fede. Esse cheiro te afeta, penetra teus poros e invade cada célula, fazendo germinar essa sensação de asco e desconforto que permeia tuas palavras e expressões. Perdoa minha ignorância, ser tão insignificante. És cristalino e inodoro, mas aqui fede muito.

Sinto-me entorpecer, não compartilho da tua amplidão. Perdoa minha finitude. Mas sei que a invejas a contragosto, apesar de toda sua podridão. É a tua mesma imensidão, que te engrandece e te aprisiona, que também te condiciona à solidão. Do alto da tua magnitude não vês ninguém como tu, e ninguém daqui te vê por inteiro; não entendes essa falsa e morna felicidade, interpretada com tanta veemência que se transforma em verdade absoluta e incontestável, ao mesmo tempo que não és compreendido por ninguém, ninguém..

És infinito, impossível de mensurar, quanto mais de se admirar. Contrasto com a tua vastidão, soberanas são minhas fraquezas e vulnerabilidades. Caminho sobre pedras falsas, circundada por flores artificiais exalando fragrâncias ainda mais sintéticas, que encobrem o cheiro oculto de tudo que finda.

15.7.09

O Espetáculo Oculto

Já se aproximava outra noite iluminada. Ela se fazia sentir não pelo clarão da iluminação artificial exagerada, numa fusão dae cores ofuscante, nem pelas frestinhas de luz que emanavam da negritude do céu; menos ainda pelo cheirinho de pipoca recém-estourada que começava a tomar conta do ar ou pela agitação usual dos bastidores em meio aos preparativos para mais um espetáculo. Do isolamento de seu trailer, que custava a chamar de lar, Arlindo sentia a noite propagar-se em som. No início, tímidas tentativas de conversa, interrompidas, hora e outra, por tons mais agudos e cheios de desenvoltura, que tomavam a forma de minúsculos corpos infantis. Passados alguns minutos, não mais se distinguia som algum, já que tudo se fazia som. Era assim, embalada em gritaria, choros e risadas, que outra noite iluminada adentrava no trailer de Arlindo

Para não disseminar conclusões precipitadas, essa mania incessante de tentar encontrar significado em tudo e preencher as reticências, deixo de lado a noite para me focar em uma escuridão ainda maior, Arlindo. Ou Palhaço Lindo. Durante o espetáculo de felicidade inventada, este; no espetáculo da realidade sem brilho e holofotes, aquele. Dos cinquenta e seis anos, delineados em cada ruga, aparente ou insinuada, foram vinte e quatro sob tinta, nariz vermelho e peruca. Desiludiu-se ao viver conforme os preceitos de uma sociedade hipócrita e mesquinha, que cobra deveres sem ao menos assegurar direitos e imprime valor (numérico, longe de sentimental) a qualquer substantivo. Não se excluem os abstratos, já que para se ter atenção, paga-se a um psicólogo qualquer para ouvir lamentações e incorporar uma relação de afeto que não existe; ou ainda, para se recuperar a beleza de outrora, paga-se a um bom cirurgião. Tudo muito metódico, programado para nunca deixar de funcionar. Tudo taxado de valor, e ao mesmo tempo sem valor algum. Mas o que de fato pintara seu o rosto e presenteara-lhe com um nariz de palhaço, literalmente, fora ter de pagar por envelhecer, para receber uma esmola quando não mais produzir e desligar-se da multidão que ajuda a girar essa engrenagem assustadora. Pois para se envelhecer, assim como para morrer, não basta estar vivo? Arlindo deveria pagar por ter nascido, como se respirar já não fosse um fardo suficiente

No picadeiro, virava Lindo, Palhaço Lindo. De fato, faltava-lhe o ar. Arrancar sorrisos dos abismos mais profundos e previamente inalcançados não lhe enchia em demasiado o bolso de dinheiro e a barriga de gostosuras, mas alimentava muito mais que o maior dos banquetes. Espantou-se com o primeiro choro desencadeado pelas suas expressões entusiasmadas e moldadas em delicadas pinceladas de tinta. Teria sido muito efusivo? Exagerara nos gestos e brincadeiras? Mas a trupe, percebendo que o palhaço recriminava-se em silêncio, apontou-lhe a naturalidade do ocorrido, afastando a incerteza que tanto lhe atormentava. Gargalhadas ou lágrimas, ao menos transcendera o grande temor que reside por trás de toda aparente confiança: a indiferença.

Fora entre os integrantes da trupe que se revelou A Malabarista. Com a mesma habilidade demonstrada ao ter total controle sobre as bolinhas que cortavam o ar, atingiam o ápice e mergulhavam de encontro ao próximo impulso, fez, do coração de Arlindo, malabar. Perdido entre seus dedos compridos e sua pele macia, desafiou a gravidade ao ser impulsionado ao ápice do amor, deleitando-se em prazeres e encantamentos sem precisar esconder-se sob uma fantasia.

Pode-se até desconsiderar o momento seguinte ao que está sendo vivido, como pretexto para ignorar as consequências e desatar-se de responsabilidades, mas ele é tão inevitável quanto a queda de uma bolinha que atingiu a altura máxima e cansou de lutar contra a gravidade. E foi assim, como uma peça de seu número circense, que Arlindo foi caindo, vendo-se cada vez menos iluminado pela luz que escapava dos olhos d’A Malabarista, escorregando por entre seus dedos compridos, súbita e propositalmente abertos para não apanhá-lo.

Às multitonalidades da sua caracterização, vinha agora juntar-se o branco dos fios de cabelo. A voz, antes emitida sem esforço e com muita espontaneidade, encobria-se numa rouquidão crescente e amedrontadora. As luzes que iluminam tudo em volta já não têm o mesmo brilho, a pipoca perdeu seu sabor em alguma parafernália moderna. Os tempos mudaram, a geração que hoje senta na plateia, também. As risadas soam ensaiadas e uniformes, uma cópia destoante e barata do que um dia foi um verdadeiro espetáculo. Mas são elas que anunciam outra noite iluminada. É hora de Arlindo não mais ter ar.

1.7.09

Entre as badaladas do tempo



Quanto tempo terá de passar
Quantas chegadas e partidas
Para se fazer amar,
Amar sem promessas descumpridas?

Quanta vida há de se viver
Antes de vivermos somente a morrer?
Morrer de amor, morrer de felicidade
Morrendo eternamente de saudade.

E a semente que ficou por plantar
Assim como toda declaração contida
Seria flor e fruto, não faltasse regar
Aos poucos secou e foi esquecida.

Muito - e sempre - deseja-se fugir
Sem pretensões para não se despedir
E em tal refúgio, real ou inventado,
O encanto retorna ao viver desamparado.

E nesse respirar, e nesse digerir
As horas, quietinhas, não se fazem sentir.
Roubam momentos sem piedade
Para trancafiá-los na posteridade.

Não se levam sorrisos, não se levam opressões,
Não se leva riqueza, nem as realizações.
Já no estertor, despedindo-se da realidade
Nem ao menos quer-se levar, apenas deixar: deixar uma grande saudade.

16.6.09

O Abraço Egoísta



Preciso fazer uma confissão, caso já não seja de consentimento público: sou extremamente egoísta. E extremamente consciente do meu extremo egoísmo. Ele não me domina em tempo integral, mas quando se faz sentir, enche-me de uma certeza cega de possessividade em relação a tudo e todos que algum dia já estiveram ao alcance do meu apego.

Como egoísta convicta, não suporto a ideia de dividir. Odeio em silêncio quando sou dividida com horas de trabalho, ações filantrópicas, e compromissos inadiáveis. Sufoco a amargura de ter de dividir você com teus novos e velhos amigos, com tua introversão, até mesmo - e em grande parte - com o que quer que te prenda àquela tela de computador ou televisão.

Dividir-te com a distância dilacera-me o coração.

Ainda tomada por esse egoísmo, detesto dividir meus pensamentos e sentimentos mais reclusos, minhas inseguranças e certezas mais indizíveis. Quero deixá-los bem quietinhos, adormecidos dentro de mim, saciados pelo meu estoque ilusório de autossuficiência.

Não me julgue da maneira errada (não me julgue de qualquer maneira!), juro que não sou movida à maldade. Apenas tenho uma vontade imensurável de abraçar tudo e todos que despertam em mim o que há de melhor em se estar vivo, e não deixá-los partir nunca mais, nunca mais...

Se receias o meu egoísmo, evita qualquer gesto simpático, qualquer ato amigável, sob o risco de seres aprisionado em um forte e imenso abraço.

10.4.09

Pontinha de eternidade



Caminhos diferentes impõem distintas trajetórias a corações tão parecidos e sorrisos tão sinceros quando juntos.

Ficam as fotos no álbum da memória, as risadas ecoando ao fundo e os flashes de lembranças ao som de uma ou outra música.
A saudade é a maneira mais viável de fazermos com que um simples e curto momento dure para sempre.
Como uma mania pessoal, tendo a classificar momentos. E por vezes me pego pensando baixinho: "esse vai ser revivido nas 'sessões nostalgia' de mais além...". E logo sinto o coração batendo em ritmos alternados de saudade e extrema felicidade.
Essa é a sensação de que tudo valeu a pena e teve sua pontinha de eternidade.


Não vivo para sentir saudade,
mas sinto saudade por viver.

7.4.09

Pequeno Recreio



"As flores não murcham assim de repente

Sem deixar seu perfume no ar
E as sementes na terra...

O sol não se esconde nas noites escuras
Sem deixar a certeza que suas luminárias
Voltarão outra vez...

Como o sol e as flores que vão e retornam,
As vidas humanas não vão por acaso:
Elas deixam por onde passarem
Não somente as marcas dos passos
Mas, sobretudo, a certeza maior
De que aqui nesta nossa existência
Estamos passando somente
O nosso pequeno recreio na Terra..."

[Nelson Rech]

3.4.09

Lágrimas no rosto e vazio no coração

"Lágrimas no rosto e vazio no coração.

Eram claros os sinais de que a vida real acabava de chegar para tomar o lugar de uma vida não perfeita, mas feliz.

Ao fechar a porta – e trancá-la, após sucessivas recomendações de segurança que minha mãe me dera durante todas as férias – desatei-me a chorar. Um choro compulsivo e angustiante, mas contido, para não acordar minha companheira de apartamento. Ao dar o abraço de despedida para a partida de meus pais e minha irmã, senti um imenso nó formando-se em minha garganta, que segurou o “Amo vocês!” nas profundezas do meu pensamento. Como sabia que isso iria acontecer, escrevi palavras de carinho e agradecimento, já no dia anterior, que ecoariam carregadas do meu sentimento.

Enfim chegara o momento tão esperado: caminhar com as próprias pernas, deixar minhas pegadas na história de algumas pessoas, seguir rumo a um destino que só enxergo em sonho, visando torná-lo realidade.

Deixava para trás a segurança e o amor sempre presentes em minha casa. Abria mão do abraço apertado que tanto me fez – e faz – falta. Das conversas produtivas e também dos bate-papos sem compromisso, que suscitam as risadas mais aconchegantes e fazem o tempo passar sem esforço algum.

Usei muitos artifícios para driblar a solidão que imediatamente se instalou na minha nova vida. Dediquei-me ao máximo aos estudos, motivo de minha partida. Devorei livros, para que as palavras alimentassem meu desejo por comunicação e socialização.

Infelizmente, meu perfeccionismo exacerbado tomou conta de mim, ao querer representar meu próprio ideal por dentro e por fora. O espelho começou a refletir uma imagem de um corpo cada vez mais magro e de um olhar cada vez mais vazio e sem brilho. A ajuda veio em hora certa, graças ao olhar atento de meus pais. Várias pessoas contribuíram para a minha recuperação, da qual ressurgi com mais energia e conhecendo mais a fundo minhas inseguranças e aspirações.

Um ano se passou.

Nesse meio-tempo, alegrias, decepções, realizações e muita, muita saudade.

O ano de 2008 começou com um objetivo claro: a aprovação no vestibular, passo extremamente importante para minha realização pessoal.

Entrei de cabeça desde o início, deixando em segundo plano minha vida social (que, aliás, sempre foi mais pessoal a social!) e meus momentos de prazer em frente a um bom livro ou filme.

A vida de estudante de vestibular veio preencher as tardes vazias com muitos exercícios e aulas a revisar. Ao mesmo tempo, aumentou a distância que me separa de todos a minha volta."

Essas palavras foram escritas em Junho de 2008 e ficaram sem um final. Até então, tal final não passava de uma grande incógnita, que não correspondia aos valores de "x" e "y" com os quais estava tão habituada e sequer poderia ser encontrado pelos métodos convencionais que as - inúmeras - fórmulas me disponibilizavam.

Mas esse era o caminho. Esse foi o caminho. Tudo mudou muito no segundo semestre, pra melhor. Amizades trouxeram paz pro meu coração e o conforto de que eu tanto necessitava. A proximidade do vestibular e as diversas possibilidades que surgiam daí me estimularam a seguir adiante.

E só de pensar que foram nos últimos 4 dias dos 698 que tudo se concretizou... Olho pra trás e vejo que vivi uma mistura de sentimentos, mas o que predomina hoje é a gratidão - gratidão por mim mesma, por não ter desistido tão fácil dos meus sonhos.

Escrevi o meu final feliz. Pelo menos o desse capítulo, dentre tantos que minha história ainda me reserva.

2.4.09

That's how life goes


Depois de dois anos turbulentos, aprendi a dar valor a dias calmos.


Tão calmos que posso me dar ao luxo de ficar entediada, só pra depois me desentediar;
tão calmos que pude voltar a encontrar prazer nas pequenas coisas, admirar o pôr do sol até todas as cores se fundirem em escuridão, sentir o vento soprar o desassossego e purificar cada cantinho da alma;
calmos a ponto ver as horas comportarem-se como segundos durante uma boa conversa, e segundos transformarem-se em preciosidades ao perceber que verdadeiros laços de amizade resistem à poeira do tempo e à imposição da distância.

Somente em dias calmos assim percebe-se o real sentido de tudo, mesmo não passando de uma grande ilusão. A vida resume-se a uma busca por dias assim. Depois de grandes conquistas, de tanto esforço e trabalho, volta-se os olhos e o coração para as companhias mais agradáveis, os sabores mais irresistíveis, a melodia mais encantadora e até mesmo a solidão mais regeneradora... várias faces do desejo mais intrínseco: um dia calmo, um dia de plena paz.
Justamente para os momentos de ócio criativo, abri as cortinas do meu pensamento. Vê-se, então, não um esplêndido palco, mas um caminho repleto de possibilidades.