Quando foi que ficamos tão insensíveis? Não que tenhamos de crer irredutivelmente em tudo o que um dia nos foi ensinado, nem nos atirarmos em um consumismo descomunal movidos por um apelo sensacionalista (ou melhor: capitalista). A questão é que, dentre tantas atribulações e compromissos a que somos submetidos diariamente, apegamo-nos ao que julgamos ser essencial para nós, e acabamos deixando outras tantas essências de lado. Toda a expectativa se perdeu, dada nossa crescente objetividade (o tempo nos é pouco... e tão valioso!). Perderam-se também os olhares (aqueles através dos quais se enxerga uma alma inteira, nua), tal como os sorrisos de canto de boca (aqueles que deixam escapar pedacinhos de alma não lapidada): inúmeros pequenos gestos, grandiosos pela sua capacidade de nos revelar tão naturalmente. Tentamos colocar palavras em tudo. Apropriamo-nos de vocábulos de outro idioma caso o nosso ainda não tenha designado um para determinada situação. Preenchemos silêncios cheios de significado. Enviamos cada vez mais e-mails, deixamos os telefonemas somente para as urgências - quando muito. Suspiramos ao sairmos de casa e ao regressarmos do trabalho, insatisfeitos com um destino que não passa do resultado direto de nossas próprias atitudes. O livro de cabeceira foi substituído pelo antidepressivo do momento. Incontáveis são os indivíduos que respondem ao "Boa Noite" do apresentador de telejornal para não terminarem o dia em completa afonia e solidão.
Nossas essências não soam tão essenciais... Em qual curva perdemos a nossa verdadeira natureza íntima? Ou será que a estrada que seguimos consternados nos conduzirá a ela? Se as respostas fossem lógicas e instantâneas, de nada valeria a caminhada. Restam-nos as flores à beira do caminho, o vento acariciando o rosto e ritmando o movimento dos fios de cabelo e o sol; que ele queime toda essa descrença e ilumine nosso longo e tortuoso trajeto.